A morte e a morte de Quincas Berro D’água

A morte e a morte de Quincas Berro D’água
José Francisco Moreira

O livro do celebre autor brasileiro Jorge Amado tem seu enredo em torno do mistério da morte de um ex-funcionário publico e agora boêmio Quincas Berro D’água, divididos em 12 capítulos e publicado em São Paulo no ano de 2008 pela editora Companhia das Letras.
As circunstâncias da morte do funcionário público Joaquim Soares da Cunha são cercadas de mistérios e de versões desencontradas. A família declara que ele morreu de forma decente, mas esconde alguns vexames dos últimos momentos de vida do finado. Já os amigos são capazes de jurar que a morte de Joaquim se deu mesmo no mar, como era seu desejo.
Durante quase toda a sua vida, Joaquim foi funcionário público exemplar, contando com o respeito dos colegas e da família. Aos cinquenta anos, porém, por motivo desconhecido, despediu-se da família com palavras ofensivas e passou a viver na rua. Foram dez anos se entregando constantemente à bebida em companhia dos malandros e das prostitutas de Salvador, na Bahia. A esposa Otacília não resistiu ao drama familiar e morreu. A filha Vanda e seu marido, Leonardo, passaram a suportar a existência daquele parente incômodo.
Certa ocasião, o dono do botequim frequentado por ele, querendo pregar-lhe uma peça, ao invés da cachaça de sempre encheu um copo com água e ofereceu a ele. Joaquim entornou o líquido e, ao perceber a enganação, lançou o berro que fez surgir seu apelido: Quincas Berro d’Água.
Joaquim morreu aos sessenta anos de idade. Ao saber, Vanda passou a tomar providências para o velório e o enterro do pai. A única coisa que ela não conseguiu arranjar ao seu modo foi o sorriso que o morto estampava no rosto, que nem sequer os funcionários da funerária conseguiram eliminar.
O velório foi realizado no mesmo cômodo minúsculo que tinha servido de moradia a Quincas nos últimos anos. Desse modo, a família mantinha distância desse parente incômodo. Vanda permaneceu ao lado do corpo do pai durante boa parte da noite em que transcorreu o velório. O sorriso no rosto do morto parecia retomar as ofensas dirigidas à família quando de sua partida de casa.
A notícia da morte de Quincas chegou aos ouvidos de seus companheiros de boêmia: Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-Vento. Sabedores do desejo do amigo de ter no mar seu último momento, dirigiram-se ao local do velório dispostos a fazer cumprir essa vontade. Cansados, os parentes acabaram por se recolher, deixando o defunto sob a guarda dos amigos.
A vigilância foi regada a muita cachaça. Em certa altura da noite, resolveram levar o amigo para um passeio. Retiraram o morto do caixão e se foram. Passaram pelos lugares frequentados por Quincas em vida e terminaram a noite no barco de Mestre Manuel. Decidiram então cumprir a vontade do morto, oferecendo-lhe uma festa em alto mar.
Repentinamente, despencou um terrível temporal. O mar revolto lançava a embarcação de um lado para o outro. Em um desses balanços, Quincas acabou caindo na água. Desse modo, teve sua segunda morte e o cumprimento de sua vontade. Segundo a lenda, antes de se lançar ao mar ele teria pronunciado os seguintes versos: “– Me enterro como entender / na hora
que resolver. / Podem guardar seu caixão / pra melhor ocasião. /Não vou deixar me prender / em cova rasa no chão”.


Porque da escolha: O título bem chamativo e a curiosidade por conhecer o trabalho do autor que foi considerado um dos mais importantes escritores brasileiros do século XX.
Amado. Jorge, 1912-2001. A morte e a morte de Quincas Berro D’água/ Jorge Amado; posfácio de Affonso Romano de Sant’Anna. São Paulo; Companhia das Letras, 2008.


A morte do morto
José Francisco Moreira
Jorge Amado (1912-2001) foi um dos mais importantes escritores brasileiros do século XX, com obras traduzidas em dezenas de idiomas e adaptadas com sucesso para o cinema. O teatro e a TV. Entre seus livros mais célebres estão Capitães da Areia, Mar morto, Gabriela, cravo e canela, Dona Flor e seus dois marinheiros, Tocaia Grande e Tenda dos milagres. O livro narra os acontecimentos que sucedem após ser encontrado o corpo de Quincas em uma pocilga, deitado sobre um catre, mal vestido, com o dedão do pé escapando por um buraco na meia furada e… sorrindo, um “sorriso cínico, imoral, de quem se divertia”. Vanda, filha, Leonardo, genro, Tio Eduardo e Tia Marocas, irmãos, ao mesmo tempo em que se apresentam enlutados davam graças pelo ocorrido. Finalmente morria a vergonha da família. Para os parentes o falecido deveria permanecer para sempre como o irrepreensível cidadão Joaquim Soares da Cunha, não o famoso Quincas Berro D’água, o “Rei dos vagabundos da Bahia”, o “senador das gafieiras”, o “patriarca da zona do baixo meretrício”, personagem que se tornou após sair de casa chamando mulher e filha de “jararacas”. Vanda não entendia como um respeitado funcionário da Mesa de Rendas Estadual podia abandonar, aos cinquenta anos, a família, o lar, os hábitos de toda uma vida, “para vagabundear pelas ruas, beber em botequins baratos frequentar o meretrício, viver sujo e barbado…”. No entanto, a morte de Quincas foi sentida pelos seus pares. A notícia se propagou e nos bares, botequins e armazéns, “imperou a tristeza e a consumação era por conta da perda irreparável”. Afinal, “quem sabia melhor beber do que ele, jamais completamente alterado, tanto mais lúcido e brilhante quanto mais aguardente emborcava? Capaz como ninguém de adivinhar a marca, a procedência das pingas mais diversas, conhecendo-lhes todas as nuanças de cor, de gosto e de perfume”. Todos que lhe queriam bem, mulheres baratas, vagabundos, malandros, marinheiros desembarcados, derramaram lágrimas pela perda.
A notícia da morte de Quincas chegou também aos ouvidos de seus companheiros de boêmia: Curió, Negro Pastinha, Cabo Martim e Pé-de-Vento. Sabedores do desejo do amigo de ter no mar seu último momento dirigiram-se ao local do velório dispostos a fazer cumprir essa vontade. Cansados, os parentes acabaram por se recolher, deixando o defunto sob a guarda dos amigos.
A vigilância foi regada a muita cachaça. Em certa altura da noite, resolveram levar o amigo para um passeio. Retiraram o morto do caixão e se foram. Passaram pelos lugares frequentados por Quincas em vida e terminaram a noite no barco de Mestre Manuel. Decidiram então cumprir a vontade do morto, oferecendo-lhe uma festa em alto mar. Repentinamente, despencou um terrível temporal. O mar revolto balançava a embarcação de um lado para o outro. Em um desses balanços algo inacreditável acontece com o corpo de Quincas.

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